“A maior parte dos documentos não era enviada a Miguel Gutierrez por e-mail. Para se resguardar, o CEO pedia que as informações fossem gravadas em pen drive e entregues fisicamente”, diz o MPF.
O órgão cita uma troca de mensagens entre Flávia Carneiro e Carlos Padilha, ex-funcionários da Americanas, sobre verbas de propaganda cooperada (VPC). Essas verbas são comuns no varejo, mas, no caso da Americanas, foram usadas para maquiar as contas.
“Padilha, segue o controle de verba. É o item 4 do índice no kit de fechamento”, diz Flávia num e-mail de setembro de 2019.
O e-mail continha um anexo que, segundo o MPF, discriminava os valores falsos de VPC que, em julho de 2019, somavam R$ 3,9 bilhões.
No mesmo dia, Padilha – que também é investigado – responde para a funcionária:
“Flávia, fecha com o Sérgio e Paula e envia pen drive ao MG como solicitado. Posiciona por favor. Obrigado”, diz a mensagem.
Arquivo enviado para ser repassado em pen drive mostra, segundo MPF, cartas VPC falsas lançadas em balanço. — Foto: Reprodução
Gutierrez foi preso nesta sexta-feira (28) em Madri, suspeito participação em fraudes contábeis que chegaram a R$ 25 bilhões, segundo investigações da Polícia Federal. A ex-diretora Anna Christina Ramos Saicali, também alvo de mandado de prisão, segue foragida.
Segundo o MPF, Gutierrez participava de fraudes “desde o seu planejamento até a publicação dos resultados”.
A defesa de Miguel Gutierrez declarou que ele jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude, e que tem colaborado com as autoridades. Assessoria da ex-diretora Anna Saicali não se posicionou.
A Americanas afirma que é vítima da antiga administração.
Americanas: entenda a fraude que levou à operação da PF
Saiba mais sobre a fraude e as investigações
A prisão de Gutierrez é parte da Operação Disclosure, deflagrada na quinta-feira (28) pela Polícia Federal.
Além do ex-CEO e de Anna Saicali, outros ex-executivos da Americanas foram alvos de busca. Ao todo, a Justiça Federal determinou o bloqueio de R$ 500 milhões dos envolvidos.
De acordo com a PF, a fraude maquiou os resultados financeiros do conglomerado a fim de demonstrar um falso aumento de caixa e consequentemente valorizar artificialmente as ações das Americanas na bolsa.
Com esses números manipulados, segundo a PF, os executivos recebiam bônus milionários por desempenho e obtinham lucros ao vender as ações infladas no mercado financeiro.
A maquiagem foi detectada em pelo menos 2 operações:
- Risco sacado: antecipação do pagamento a fornecedores por meio de empréstimo junto a bancos;
- Verba de propaganda cooperada (VPC): incentivos comerciais que geralmente são utilizados no setor, mas no presente caso eram contabilizadas VPCs que nunca existiram.
Foram identificados vários crimes, como manipulação de mercado, uso de informação privilegiada (ou insider trading), associação criminosa e lavagem de dinheiro. Caso sejam condenados, os alvos poderão pegar até 26 anos de prisão.
A força-tarefa contou com procuradores do Ministério Público Federal (MPF) e representantes da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). A atual administração do Grupo Americanas também contribuiu com o compartilhamento de informações da empresa.
Disclosure, expressão utilizada pela Polícia Federal para designar a operação, é um termo do mercado de capitais referente ao fornecimento de informações para todos os interessados na situação de uma companhia e tem relação com a necessidade de transparência das empresas de capital aberto.