A primeira reação de uma sociedade anestesiada é: ‘não se pode bancar o valentão’. A lógica é a mesma que põe a culpa na minissaia pelo crime de estupro.
Diego Braga, lutador de MMA — Foto: Reprodução
A primeira reação de uma sociedade anestesiada e conformada com a “equatorização” do Brasil é culpar Diego: ele não deveria ter entrado na favela; não se pode bancar o valentão diante do crime organizado, o certo é chamar a polícia, não se faz justiça com as próprias mãos.
Por mais que haja bom senso (e há) nessas afirmações, a lógica da argumentação é a mesma que põe a culpa na minissaia pelo crime de estupro. Quantas vezes, como repórter, apresentei aos leitores um homicídio desta forma: “a vítima foi morta ao reagir a um assalto”. Fica implícito que o erro foi da vítima. Se não tivesse reagido, estaria vivo. E quem garante que a vítima não se assustou ao ver uma arma e o bandido interpretou como reação? No fundo, estamos mostrando nosso conformismo diante do crime e tentando pautar a reação das vítimas. Uma espécie de manual de bons modos diante do crime. Manual de etiqueta para sobreviver no Brasil.
É logico que não se pode incentivar atitudes como a de Daniel, porque, invariavelmente, quem chora é a família da vítima. Mas e se a sociedade, em vez de apontar os dedos para quem não pode se defender, canalizasse sua indignação em outro sentido: por que estamos obrigados a viver em um país onde há vastas áreas em que nosso direito de ir e vir equivale a uma sentença de morte? O que o governo do estado vai fazer para tomar aquele território em definitivo? Quais as medidas saneadoras estão sendo tomadas para resgatar a credibilidade da polícia, que é único remédio para evitar atitudes isoladas diante de um crime? Qual política pública está sendo implantada para quebrar a cadeia de receptadores (cuja pena é muito pequena)?
Diego foi vítima de dois crimes e de duas circunstâncias da qual não tem a menor culpa: teve a moto furtada e sua indignação o levou à morte. É vítima de um estado que entregou parte do território a bandidos e de governos que não tem política pública para resgatar a credibilidade da polícia.
Porém, é mais cômodo culpar Daniel. E a minissaia.