Cinema
Longa-metragem foi escrito, dirigido e estrelado por Orson Welles
(Foto: Divulgação)
Logo nos primeiros momentos de “A Marca da Maldade” temos um plano sequência de 3 minutos mostrando uma bomba sendo colocada em um carro e acompanhamos o veículo passando pela fronteira entre México e Estados Unidos, ao mesmo tempo em que o protagonista Ramon Miguel Vargas, interpretado por Charlton Heston, anda com sua namorada Susan (Janet Leigh) também passando pela fronteira até que uma enorme explosão acontece.
O crime será o estopim para a entrada do capitão da polícia Hank Quinlan (Orson Welles), um sujeito manco, obeso e com enorme desprezo pelos mexicanos. Ele será a figura controversa da trama e em nenhum momento a narrativa irá buscar torná-lo mais agradável, pelo contrário, o roteiro também do próprio Welles (que também dirige) o coloca como o ser humano desprezível, mentiroso e desonesto que ele é, mas sem deixar de mostrar razões para este sujeito ter se tornado um ser humano vil e desprovido de empatia.
“A Marca da Maldade” é indubitavelmente um filme de Orson Welles. Alçado ao estrelato com o clássico “Cidadão Kane” (1941), Welles é um diretor que a todo momento busca fugir da zona de conforto e não se contenta em fazer um filme da maneira convencional. Aqui temos enquadramentos ousados e distintos, e uma edição tão angustiante e frenética que é de dar inveja à muitos diretores atuais.
Percebam, por exemplo, o momento da angustiante sequência em que a mocinha Susan Vargas (Janet Leigh) é mantida cativa em um quarto e Quinlan surge para implantar provas para incriminá-la, e toda a sequência é filmada no escuro com pequenas sombras iluminando o quarto, e se a fotografia magistral de Russell Metty colabora para a claustrofobia do momento, a câmera de Welles não para e mescla momentos de contra-plongé (de baixo para cima), para enfatizar a ameaça assustadora do capitão corrupto, com momentos de câmera na mão que inserem o expectador no calor do momento. É angustiante!
Mas não apenas a cena citada acima é memorável em “A Marca da Maldade”. Welles é um maestro de seu ofício, e o filme nos entrega uma trama policial que à partir de certo momento torna-se uma jornada pessoal do personagem Vargas para provar a corruptilidade de Quinlan. Daí, o filme se transforma em uma jornada de gato e rato onde forças distintas se mesclam em um jogo denso, angustiante e extasiante. E se Welles coloca diálogos que nos ajuda a conhecer melhor o passado de Quinlan com sua falecida esposa, o personagem em nenhum momento é colocado em rota de redenção, mas sim, se mantém como o grande algoz da trama.
Orson Welles é um ator também multifacetado que consegue se diferenciar em cada personagem. Irreconhecível aqui, Quinlan é o grande vilão da trama, mas também, o mais interessante e hipnotizante. E ainda que sirva bem seu papel como o lado coerente e correto da história, é estranho e nada convincente ver Charlton Heston como um mexicano na história (mas coisas da época que não interferem na qualidade geral do longa).
Um dos melhores filmes da carreira de Orson Welles, “A Marca da Maldade” é uma aula de cinema que ressalta a visão singular de Welles para a Sétima Arte, em uma história policial que sabe colocar o expectador imerso, e envolvido, em cada momento da narrativa. Um filmaço!
Touch of Evil/EUA – 1958
Com: Charlton Heston, Orson Welles, Janet Leigh, Joseph Calleia…
Dirigido por: Orson Welles